quarta-feira, 21 de abril de 2010

Cheiros diferentes

Da sacada da varanda eu observava a vida alheia. Sentado na cadeira do meu falecido pai, fumando meu cigarrinho malandro de quinta categoria e bebendo o resto de tequila daquela garrafa velha, era aquecido pelo meu paletó judiado pelo tempo enquanto via atores e assistia a filmes efêmeros de brigas, conflitos, decepções, loucuras, vida. Rua amaldiçoada aquela. Calçada amaldiçoada aquela. Desgraças divertidas até.
Mas aquele dia foi diferente. Vi o amor pela primeira vez, passando por mim e me enlaçando numa brisa e numa onda tão otimista, feliz, doce, tranquila, que cheguei a ter náuseas. Eu, que desconhecia a origem e manifestação de tal sentimento, fiquei atônito. Eu queria aquilo, isso era o que me dava mais medo. Queria aquela troca de olhares demorados, aquele andar de mãos dadas. Queria sentir e receber o carinho, dedicação e adoração transmitida de um para o outro inconscientemente. Mas não podia, não devia.
Vivia feliz na minha solidão, com meus cigarros, tequila, paletó rasgado e nada mais. Não seria como meu pai, que chorando amaldiçoou a si e ao vento. Não seria como minha mãe que até hoje procura os cacos do próprio coração. O amor era um mito, uma fantasia feita pra crianças. E eu gostava de manter distância tanto do amor quanto de crianças.
Me levantei então daquela varanda e deixei o filme de terror de lado, me enfiando dentro do meu quarto. Ali, em meio aos meus devaneios, estava seguro. Fiquei lá por dias, saindo apenas para comer e ir ao banheiro. A luz já havia sido cortada e o cheiro de homem suado e pizza estragada haviam sido adicionados ao odor peculiar de álcool barato e prostitutas do quarto.
Mas a tortura estava prestes a começar, o dia de limpeza havia chegado. Não entendia porque os outros se importavam em limpar a bagunça que os próprios donos não queriam limpa. A minha imundice me lembrava do meu lugar, me protegia do mundo, dos sentimentos, das pessoas lá fora. Mas mesmo com todas as ameaças e gritos, a empregadinha não me deixou em paz. Alegou que era paga para isso e que seria demitida se não cumprisse seu trabalho. Ora, pois que fosse demitida então! Que tinha eu com a vida dela? Se quisesse dinheiro que trabalhasse de esquina a esquina toda noite. Mas me contive e decidi sair.
Depois de tanto tempo, voltar à minha varanda era um bálsamo à minha alma e mesmo que eu lutasse contra aquilo, me rendi ao espírito de paz lá fora. Sem o efeito do cigarro e da tequila, a visão foi diferente, melhor. Foi então que eu a vi passar com os cabelos ao vento e a bochecha rosada. Fiquei estagnado, meus joelhos falharam e meu peito se apertou. Droga! Droga, droga, droga! Eu não podia, não devia. Mas ele não escolhe a quem pegar. Eu bem que sabia que não devia ter saído do meu mundo. Depois de xingar milhares de palavrões e botar pra correr a empregadinha candidata à prostituta agora, entrei pra dentro do meu quarto e fechei a porta novamente.
Mas dessa vez, meu coração, minha alma, tudo me chamou pra fora. Peguei um retrato de papai e mamãe juntos e chorei, pedindo perdão por quebrar minha promessa. Tirei meu paletó, abandonei meus cigarros e tequila definitivamente e saí. Vivi.
Algum tempo depois, consegui encontrar a garota dos cabelos esvoaçantes e bochechas rosadas. Ela estava com outro, mas não me importei. Depois disso, encontrei minha garota de verdade e eu não preciso mais de paletó pra me aquecer, porque ela faz isso só de me olhar. Nós vivemos juntos num apartamento que cheira à lavanda e ela é professora e eu fotógrafo profissional. Vamos nos casar daqui alguns dias. Mas hoje eu tenho uma coisa especial pra fazer. Vou pedir perdão à papai e mamãe por ter gastado trinta anos da minha vida em nada.


Ah, e a foto? É dela e fui eu que tirei.


- A garota ali da foto sou eu mesma e esse texto foi escrito ao som de The Only Exception, Paramore.

6 comentários:

  1. Que liiindo, Niina! *-*
    A gente se encontra sem nem perceber, daí o negócio é se entregar, viver.

    Beeijo

    ps: tava falando hoje pro Henrique que odeio essa música! :b

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  2. gosto tanto de textos assim. Que mergulham na alma do personagem e tudo o mais.

    Só não entendi uma coisa, vc quer casar com um ex-pinguço? É isso? :x

    Enfim, gostei de verdade do conto, ou profecia, sei lá...

    Beeeeeeijos.

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  3. Ficou bonito o post, mas o que importa, que levo trita anos, mas conseguiu se tornar algo (tem gente que simples nasce e morre se nunca tornar algo)...

    Fique com Deus, menina Ninaaa.
    Um abraço.

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  4. ameeeeeeeeeei mt *-* sem contar que essa música é demais :B

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  5. Oi amei seu blog visita o meu!!!
    to te seguindo

    http://carolinexstar.blogspot.com/

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  6. NOSSA que lindo!
    tipo assim a pessoa pode tentar fugir e se esconder..mas xega uma hora q não tem mais como fugir da realidade!..
    sério vc escreve muito bem!..parabéns**
    adoro a musica the only exception^^
    bjobjo*

    http://marcellagiroldo.blogspot.com/

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