quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Unidade

O tempo é algo que decididamente não volta atrás. Com sua efemeridade, ele é sempre o culpado pelos amores esquecidos, amizades abandonadas, memórias perdidas e muitas vezes se torna a desculpa perfeita para a estagnação da maioria das pessoas. Não uma estagnação física, de lugar, mas de sentir. Eu sou um exemplo disso.
Quando completei quinze anos de casada já havia desistido do amor há um bom tempo. A rispidez, falta de cumplicidade e carinho do meu dia-a-dia conjugal vinham me cansando e me corroendo por dentro cada vez mais, causando um desgaste cada dia um pouquinho maior na minha alma outrora apaixonada e vívida. A ignorância e brutalidade presente nas palavras e olhares trocados entre ele e eu já eram mais que comuns e pra mim não havia mais esperança. Qualquer sentimento bom e otimista em relação ao meu marido já havia sumido e eu continuava com ele por continuar, muitas vezes controlando uma vontade absurda de me sentir livre daquilo logo. Mas houve um dia, um único dia, em que eu deixei tudo de lado.
Era o aniversário dele e, influenciada por antigas (e preciosas) amigas, decidi fazer uma surpresa. Um jantar romântico. Achei a coisa mais ridícula no início e mesmo organizando tudo meu coração ainda relutava em aproveitar toda a "expectativa" que rondava o preparo do jantar. Tudo pronto, comida na mesa, velas acesas, filhos fora de casa e eu, esperando, num vestido verde de cetim comprado especialmente para a ocasião. Me sentia um desastre total, desajeitada, boba por tentar ter um jantar romântico à luz de velas em plenos quarenta anos. Amor, frio na barriga, isso era coisa pra gente jovem. Quanta bobagem da minha parte!
Depois de uns quinze minutos de espera ele chegou. Imaginei que fosse rir de mim ou agir indiferentemente como sempre fazia, mas depois de analisar cada pequeno detalhe da garagem que improvisava um cenário de filme, ele apenas sorriu. E um brilho intenso tomou conta dos seus olhos, lutando contra as lágrimas que tentavam se formar. Naquele momento todas as mágoas ajuntadas ao longo dos anos foram esquecidas, o enorme muro que o tempo (sim, ele!) ajudou a construir entre nós foi derrubado e, depois de muito tentar, eu consegui ver, mesmo que lá no fundo, o rapazote por quem me apaixonei há trinta anos atrás. Fiquei perplexa diante daquilo, não conseguia acreditar. Ele ainda estava lá! O amor da minha vida ainda estava lá, com o mesmo sorriso iluminado, com as mesmas mãos que um dia seguraram as minhas com amor e me deram segurança, com os mesmos olhos que me seguiam pelas ruas e me aqueciam com tanta ternura e admiração, com o mesmo coração que tanto me amou e um dia foi meu. Que ainda era meu. Ele ainda estava lá e tudo estava em seu devido lugar naquela noite.
Quando o jantar acabou e as crianças já estavam de volta, em suas camas, nos deitamos abraçados. E apenas isso bastou. Palavras não precisaram ser ditas, nada precisava ser feito a partir dali. Eu via um novo caminho à nossa frente, iluminado, pronto pra ser trilhado por nós dois, juntos, como um só. Porque naquele momento eu senti que mesmo que o tempo passe e mesmo que novos machucados sejam feitos em nossos corações, sempre vai haver um momento em que tudo será resgatado. Inclusive o nosso amor. E é exatamente por isso que vai valer a pena.




Esse texto é uma história avulsa, mas é verdadeiramente e significativamente meu. Espero não ter decepcionado depois de tanto tempo.Um beijo.

3 comentários:

  1. O tempo...ele é engraçado e trágico ao mesmo tempo...

    Mas: "Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu." Eclesiastes 1:1



    Texto perfeitooo

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  2. Ora pois...

    Que texto expressivo e significativo foi este, Nina.

    Ele traz consigo uma mensagem maravilhosa, e acredito que ele seria utilizado de uma forma enriquecedora em um simpózio para casais com problemas ligados a relacionamentos. Esse texto nos faz refletir bastante.

    Muito bom, mesmo!
    Que Deus te abençoe e continue te dando sabedoria.

    Fique bem.

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  3. Nos deixamos nos prender por várias desculpa, sem pensar que não há desculpa para não sermos felizes...

    Fique com Deus, menina Nina.
    Um abraço.

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